Lançamento da Cartografia Digital do Território Guarani

nov 23, 2016

Rafael Nakamura

Na última sexta-feira (14/10) e na manhã do sábado (15/10) a Universidade Federal de Santa Catarina recebeu o Seminário Mapa Yvyrupa: Cartografia Digital do Território Guarani. O seminário apresentou a plataforma interativa de mapeamento do território Guarani que reúne informações da situação atual das aldeias, antigos aldeamentos e sítios arqueológicos em que foram encontrados vestígios de ocupações passadas. Uma parceria do Centro de Trabalho Indigenista – CTI, com a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) e o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o encontro teve o apoio do curso Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC e contou com a presença de lideranças Guarani de diversas regiões, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além dos próprios alunos do curso de licenciatura que reúne estudantes dos povos Guarani, Kaingang e Xokleng.

No primeiro dia, a mesa de abertura foi dedicada à apresentação das intenções do projeto de reunir as informações sobre o território Guarani produzidas pelas comunidades e por diversos pesquisadores ao longo dos anos. “O trabalho visa fortalecer as organizações que são nossas parceiras, Comissão Guarani Yvyrupa e a Nhemonguetá, bem como os caciques e comunidades nessa luta. Um trabalho conjunto de valorizar o território que é a base de sustentação de todo o conhecimento Guarani”, explica Maria Inês Ladeira, coordenadora do Programa Guarani do CTI.

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Equipe do CTI apresenta a plataforma de mapas (Foto: Rafael Nakamura/Acervo CTI)

Desde o final dos anos 1970 trabalhando com o povo Guarani, Maria Inês ressalta a importância da colaboração das comunidades e de outros pesquisadores ao longo dos anos. O mapa interativo reúne essas informações fornecidas pelos pesquisadores colaboradores e associa com dados oficiais da Funai e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). “Muitos xeramõi [anciãos] ajudaram o nosso trabalho. Foram eles que deram todo esse subsídio, contaram histórias, os caminhos onde passaram , onde viveram, informações que puderam enriquecer esse mapa. É muito significativo estarmos também com os colaboradores que ao longo dos anos vêm nos auxiliando, cooperando com informações precisas sobre as terras”, diz.

Logo depois a plataforma foi apresentada por Daniel Pierri (CTI), Camila Salles (CTI) e pelo arqueólogo Francisco Noelli, em uma navegação interativa pelo site que ainda precisa passar por ajustes antes de ser disponibilizado para o público geral. Os Guarani puderam se reconhecer nos diversos pontos georreferenciados que englobam desde antigos aldeamentos e sítios arqueológicos, passando por todas as aldeias de ocupação atual. Em uma breve viagem, os presentes passaram pela Bolívia, Paraguai, Argentina e subiram pela costa litorânea do Rio Grande do Sul até o Espírito Santo. O mapa localiza ainda as terras Guarani no Pará e Mato Grosso do Sul.

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Francisco Noelli fala sobre os sítios arqueológicos em território tradicional Guarani (Foto: Rafael Nakamura/Acervo CTI)

Uma ferramenta na luta

Mais tarde os Guarani comentaram suas impressões sobre a plataforma apresentada e relacionaram as informações com a sabedoria tradicional e a situação que vivem as comunidades atualmente. “A criação desse mundo foi no Yvy Mbyte, o centro do universo onde tudo começou, e a partir dali os Guarani começaram a se espalhar em busca da terra sem males”, explica Santiago Franco, do Tekoa Yvy Poty, no Rio Grande do Sul. “Nesse mundo não existiam os juruá [não-indígenas], só tinha Guarani e quem guiava nossos líderes espirituais em busca dessa terra sagrada era Nhanderu [Deus]”, conta.

“Os juruá dizem que os Guarani vieram do Paraguai. Para nós, quando Nhanderu criou a terra foi criado Yvy Mbyte, o centro da terra, e muitos dos nossos antigos vieram de lá, no Paraguai, mas isso foi antes dos juruá chegarem no Brasil, quando era tudo considerado um território só e não existia a divisão de países”, completa Augusto da Silva, do Tekoa Marangatu, em Santa Catarina.

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Estudantes dos povos Guarani, Kaingang e Xokleng acompanharam o seminário (Foto: Rafael Nakamura/Acervo CTI)

Apesar dos muitos anos de vida dedicados à luta pela regularização de suas terras, a maioria das comunidades Guarani ainda não têm seus direitos territoriais garantidos. No encontro os xeramõi Guarani reforçaram seu discurso como os verdadeiros donos do território que sempre estiveram ocupando. “Para nós Guarani não era necessário estar pedindo para que o governo demarcasse as terras. As terras são nossas, então a definição de divisa, de estados, de país, para nós não existe”, argumenta Teófilo Gonçalves, do Tekoa Morro dos Cavalos, Santa Catarina.

Luiz Eusébio, do Tekoa Peguaoty, no Vale do Ribeira (SP) também comentou a visão dos Guarani sobre a invasão de seus territórios que até hoje tem efeitos nas vidas das comunidades. “Nós sabemos muito bem que em 1500 nossas terras foram invadidas, não foram descobertas. Até hoje precisam escavar mais, achar cerâmica e outras provas para garantir a terra? Se o governo tivesse um pingo de vergonha na cara não fazia isso, demarcava a terra e pronto, já que nós sempre estivemos aqui”, lembra o xeramõi.

Para os xeramõi, lideranças mais experientes que já passaram por diferentes conjunturas políticas, as dificuldades na garantia de seus direitos territoriais só aumentaram com o passar dos anos. “O governo criou toda uma lei e para conseguirmos nossos territórios temos que argumentar para que queremos as terras. Hoje a luta está ainda mais complicada”, comenta Manoel da Silva, do Tekoa Pyau, de São Paulo.

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A mesa com os xeramõi (anciãos) Guarani de diversas regiões (Foto: Rafael Nakamura/Acervo CTI)

Nesse contexto, as diferentes ferramentas se tornam importantes para a luta das comunidades. “É importante que os jovens Guarani estudem hoje, mas sempre voltado para defender o que dizem os mais velhos, eles são os livros vivos em nossas aldeias. Os mais velhos têm o conhecimento na mente deles, só não conseguem escrever a história deles no papel”, diz Dário Moreira, Tekoa Morro dos Cavalos.