Cerca de 30 lideranças indígenas dos povos Matis, Marubo e Kanamary, habitantes das calhas dos rios Ituí e Itaquaí, estiveram presentes entre os dias 04 e 06 de junho de 2009, na base da Frente de Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari (TI Vale do Javari – AM), para a “Reunião com lideranças dos índios Marubo, Matis e Kanamary das calhas dos rios Ituí e Itaquaí – Relações de compartilhamento de territórios contíguos e estratégias de proteção dos índios isolados e de contato recente na Terra Indígena Vale do Javari.” O foco desta reunião foi debater com as lideranças sobre os riscos do contato forçado com os isolados Korubo que ultimamente têm aparecido nas margens dos rios acima citados.
Estiveram presentes no encontro para discutir com as lideranças convidadas, o Diretor de Assistência (DAS-FUNAI), o chefe da Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII-FUNAI), da Coordenação de Proteção das Terras Indígenas (CGDI-DAF) e de Desenvolvimento Comunitário (CGDC-DAS), todos de Brasília, e o administrador regional do órgão em Atalaia do Norte, além da equipe da Frente de Proteção Etno-Ambiental (FPEVJ-FUNAI). Contou também com a participação das organizações indígenas (UNIVAJA, AMAS, AIMA e ASKAJAVA) e indigenistas (CTI) que atuam na região amazônica.
Durante os três dias de reunião, que além de debater com povos indígenas que habitam a Terra Indígena Vale do Javari (TIVJ) sobre os riscos para os isolados de um contato forçado, discutiu-se também o que as lideranças indígenas acham do trabalho exercido pela FPEVJ, seus pontos positivos e negativos, e no que podem contribuir para o melhor funcionamento desta unidade da FUNAI, atendendo as demandas de todos os povos da TIVJ e os envolvendo no trabalho de proteção dos povos isolados realizado pela FPEVJ.
“Sabemos que para os indígenas isolados estarem bem é preciso que o entorno também esteja, por isso essa preocupação para que todas as lideranças indígenas estivessem presentes para dialogarmos, pois entendo que essa seja melhor forma de garantir a sobrevivência física e cultural desses povos isolados”, afirma Rieli Franciscato, chefe da FPEVJ. A TIVJ é a segunda maior do Brasil, com mais de 8,5 milhões de hectares, com uma população indígena de cerca de 3.700 pessoas (sem contar os índios isolados) divididos em sete povos (Kanamary, Kulina Pano, Marubo, Matis, Mayoruna, Korubo, Tsohom Djapá) além de diversos povos indígenas sem contato com a sociedade. A FPEVJ confirmou, até a presente data, a existência de 21 aldeamentos com 32 malocas de índios em isolamento, demonstrando que a região do Vale do Javari concentra o maior número de grupos de índios isolados em uma mesma Terra Indígena no país. O Diretor de Assistência (DAS) e vice-presidente da FUNAI, Aloysio Guapindaia, expôs a importância desta reunião como uma forma de escutar das lideranças indígenas o que elas pensam tanto do trabalho da FPEVJ como dos povos isolados. “A FUNAI preza o diálogo com as comunidades, a troca de informações, e este encontro é para isso. É também uma boa oportunidade para que todos vocês conheçam o trabalho da FUNAI, como um trabalho importante aqui nesta região, onde precisamos ter um cuidado especial”.
Nos últimos anos o fluxo de indígenas para a cidade de Atalaia do Norte em busca de benefícios sociais, como aposentadorias, bolsa família e outros aumentou consideravelmente e tal fluxo faz com que os indígenas estabeleçam acampamentos temporários ao longo do rio Itaquaí, nas regiões mais nobres em termos de caça e pesca e em plena área de uso de grupos isolado Korubo, acarretando a possibilidade da propagação de doenças como a gripe, malária e filariose para estes povos. “Alguns Kanamary paravam na beira do Itaquaí para dar roupa, panela e comida para os Korubo, pois tinham muita pena deles, mas agora vamos falar para não parar mais, pois agora tivemos o conhecimento do mal que podemos passar para eles”, disse Eduardo Djanin, liderança Kanamary da aldeia Três bocas.
Já para Ivan Shunun Matis da aldeia Beija-flor o importante é não parar na margem do rio, mesmo que os Korubo apareçam chamando. “Se pararmos os Korubo vão ficar igual a como estamos hoje, cheio de doenças, muitos já estão morrendo, o número de malocas deles já diminuíram, pois a doença está por toda a parte aqui na Terra Indígena Vale do Javari, temos que evitar isso”. “Korubo é parente nosso, tanto que estão na mesma Terra, junto com a gente, tem que respeitar a área dos Korubo, a Terra é demarcada para várias etnias que habitam o Vale do Javari e cada um sabe o seu limite”, conclui o cacique da aldeia Rio Novo, Mário Marubo.
Outro ponto bastante discutido entre os participantes da reunião foi à questão da vigilância e proteção territorial da Terra Indígena Vale do Javari. Muitas lideranças presentes reclamaram da falta de parceria da FPEVJ com os indígenas na execução do trabalho. “Não adianta a Frente ser como uma “ilha” e trabalhar sozinha, precisa ter mais interação com os povos, fazer um planejamento conjunto com nós indígenas que também vivemos aqui para a proteção do nosso território e dos parentes isolados”, afirma a liderança da aldeia Boa Vista, Paulo Marubo.
A falta de fiscalização nos limites da TIVJ foi outro ponto discutido. Para André Mayoruna, coordenador da UNIVAJA – Associação dos Povos Indígenas do Vale do Javari, “a FUNAI só existe porque existem os índios, então ela tem o dever de nos ajudar e para isso precisamos ter mais recursos para fiscalizar a faixa de fronteira, lá entre Brasil e Peru a coisa ta muito ruim, tem invasão de todos os tipos e estamos dispostos a colaborar”.
Com relação à política que a Coordenação Geral de Índios Isolados (CGII) desenvolve na garantia de proteção dos povos isolados e de recente contato, Elias Bigio, seu coordenador-chefe, explicou o que vem acontecendo nos últimos anos com os diferentes povos indígenas que se encontram em situação de isolamento no Brasil, os diversos processos que o órgão indigenista passou até chegar nesta atual política de respeito à opção desses grupos de permanecerem isolados. “A nossa obrigação é fazer com que os esses indígenas possam viver bem, e para isso precisamos da colaboração de todos os povos indígenas da TIVJ”.
No último dia do encontro foi elaborado um documento final com o propósito de reverter o alto grau de vulnerabilidade dos povos indígenas contatados e isolados que habitam a TIVJ. Foram pactuados 25 pontos que vão desde trabalho de conscientização em suas aldeias até a participação deles no processo de proteção.
O encontro foi organizado pela Diretoria de Assistência, pela Coordenação Geral de Índios Isolados e pela Frente de Proteção Etno-Ambiental Vale do Javari da FUNAI e contou com o apoio da administração regional de Atalaia do Norte e do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), que coopera com as ações da CGII por meio do Projeto de Proteção Etno-Ambiental dos Índios Isolados da Amazônia Brasileira, financiado pela USAID.