Dia 18 e 19 de setembro se realizará em São Paulo a ExpoPeru 2008, um encontro empresarial de investimentos, comércio, turismo e cultura do Peru.
O evento organizado pela FIESP, CIESP e pelo Governo da República peruano, foi anunciado pelo próprio presidente Lula durante sua visita oficial ao país, no dia 17 de maio, na inauguração do “II Seminário de Oportunidades de Comércio e Investimentos Brasileiros no Peru”. Seminário este que contou também com a presença do presidente do Peru, Alan Garcia, e de vários empresários peruanos e brasileiros.
Este evento contará com uma reunião dos próprios presidentes Lula e Alan Garcia e esperam receber mais de 200 empresários brasileiros. Contará também com a presença dos ministros peruanos de minas e energia; de habitação, construção e saneamento; de transporte e comunicações e com a ministra de comércio exterior e turismo. Segundo declarações do embaixador do Peru no Brasil para o jornal peruano La Republica de 23 de maio de 2008 o objetivo é chamar a atenção dos empresários brasileiros para investir no país. Em breve terá lugar também um evento similar do Brasil no Peru.
A ExpoPeru 2008 é uma conseqüência da política de integração entre os dois países como nunca se tinha visto antes na história. Integração iniciada com o primeiro mandato do governo Lula no Brasil e com o mandato do ex-presidente Toledo no Peru. Uma política de integração nada mais do que justa e natural entre dois países que compartilham quase 3.000 km de fronteiras, todas elas amazônicas.
O Brasil historicamente sempre preferiu investir nas suas relações com os vizinhos do sul, Argentina e Uruguai ou olhar para os Estados Unidos e Europa. Somada a esta condição histórica há a dificuldade de um maior contato entre os dois países vizinhos, causada pela presença da maior área de florestas tropicais e uma das maiores cadeias de montanhas do mundo entre os dois. Mas nos últimos cinco anos essa situação começou a mudar e o Brasil descobriu o seu “hermano” Peru.
Ao longo de suas fronteiras os dois países também compartilham a maior concentração de povos isolados do mundo, 71 % de toda a floresta amazônica com uma das maiores biodiversidade do planeta e inúmeros povos indígenas, muitos deles dividido por uma fronteira política que separou o mesmo povo entre dois países, como no caso dos Ashaninka, Mayoruna e Tikuna.
Além de toda essa riqueza social, cultural e biológica o Brasil tem hoje dois bilhões de dólares de capitais no Peru e tem gerado lá mais de 20 mil postos de trabalho direto. Lula, durante o seminário de investimento no Peru, em maio último, anunciou o aumento desses investimentos no país, principalmente pela Petrobras e de outras empresas do setor energético.
O Brasil esta fascinado pelo mercado de investimento que o Peru pode abrir. Como está sendo divulgado pelo próprio site da ExpoPeru 2008 o Peru é “uma economia importante a nível regional, com uma população de 28 milhões de pessoas trata-se de um mercado consumidor considerável e as oportunidades de investimento em diversos setores dão ao país o status de economia estratégica no cenário latino-americano”. Por sua parte o Peru esta ansioso pelo aumento dos recursos que o Brasil pode investir no país e espera uma onda de investimentos brasileiros com o fortalecimento da relação bilateral. Como foi declarado na reportagem do Estado de São Paulo “Rota para o Pacifico” de 27 de julho de 2008 a prioridade da diplomacia brasileira é a integração sul-americana.
Assim, nós brasileiros, estamos investindo 1,8 bilhões de dólares para promover o maior projeto de integração econômica e fronteiriça da história na região, o IIRSA (Iniciativa de Integração Regional Sul-americana), através de pontes, estradas, hidrelétricas, conexões energéticas e de comunicações.
Todas essas obras só podem ser feitas por empresas brasileiras o que tem gerado muitos postos de trabalho por aqui. Mas a próxima pergunta é: o que tudo isso tem gerado do lado de lá, além do tão propagandeado crescimento econômico do nosso hermano vizinho?
Petróleo, estradas, hidrelétricas e desrespeitos
aos direitos dos povos indígenas peruanos
O Peru será o país com a maior taxa de crescimento da América Latina este ano segundo dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe – CEPAL atingindo uma taxa de crescimento de 8,3 %. Tudo isso graças a uma política violenta de concessões de exploração dos recursos naturais do país levada a cabo pelo atual governo de Alan Garcia.
Uma grande parte da Amazônia peruana já foi entregue para a concessão florestal. Concessões florestais que tem afetado as áreas indígenas dos Ashaninka brasileiros do Acre, na fronteira com o Peru.
Madeireiros peruanos há vários anos invadem os territórios indígenas do Brasil para retirar o valioso mogno para exportarem. A Polícia Federal e o IBAMA tentam fazer a sua parte, mas o governo do Brasil, em nome da ótima relação com o Peru, evita pressionar o país vizinho para que este tome as devidas providências e obrigue as madeireiras de lá a respeitarem os territórios indígenas daqui.
Além das concessões madeireiras existem também as concessões petroleiras, que em apenas 3 anos saltaram de 15% para 70% do total da Amazônia peruana.
Somente os Parques Nacionais conseguiram se salvar da violenta política de concessões petroleiras. Além disso, essas mesmas concessões se sobrepõem com Terras Indígenas reconhecidas pelo governo, terras já declaradas e outras solicitadas para a proteção de índios isolados.
Muitos desses lotes de petróleo que se sobrepõem as áreas indígenas serão inclusive explorados pela gigante da América do Sul, a brasileira Petrobras. Na área dos índios Murunahua, por exemplo, uma área para proteção de povos isolados no Peru, próximo a fronteira com o Acre, a Petrobras já tem todas as linhas sísmicas que pretende fazer. A Petrobras fará no Peru aquilo que não pode fazer no seu próprio país, a prospecção de petróleo em áreas indígenas e áreas para proteção de índios isolados.
Nós brasileiros vamos fazer na casa dos outros aquilo que não permitimos que se faça no nosso próprio país.
A Eletrobrás também já se converteu em uma empresa estatal com capacidade de atuação no exterior. Assim o Brasil, o maior consumidor de energia da América do Sul, já possui projetos para a construção de 14 hidrelétricas no território peruano. Hidrelétricas que serão construídas por empresas brasileiras para que esta energia seja vendida para o nosso país.
Para as questões ambientais até quatro meses atrás não existia nem um órgão responsável para atender as demandas vinculadas ao meio ambiente no Peru. O recém nascido Ministério do Ambiente só foi criado para atender as demandas do Tratado de Livre Comércio que o Peru está assinando com os Estados Unidos.
No Peru existem três estradas que conectam os Andes e a Costa, onde se concentram a maior parte da população peruana, com a Amazônia. Até há 2 anos atrás nenhuma delas estava pavimentada. Nesse momento grandes empreiteiras brasileiras como Odebrecht e Camargo Corrêa estão pavimentando essas estradas com dinheiro do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
Em nenhum momento o BNDES e o governo brasileiro questionaram as conseqüências e impactos que isso poderia provocar nas comunidades da região. Tampouco o governo do Brasil e o BNDES estão preocupados em pressionar para que o governo do Peru implemente programas de compensação de impactos como contrapartida para a liberação dos financiamentos.
Uma das propostas que o governador do estado (departamento) peruano de Loreto que faz fronteira com o estado do Amazonas no Brasil levará para a ExpoPeru 2008 é a construção de uma estrada de ferro ligando Iquitos
a Yurimaguas. Estrada de ferro que permitirá aos brasileiros enviarem seus produtos de barco pelo rio Amazonas até Iquitos, depois este seguiria pela estrada de ferro até Yurimaguas nos pés dos Andes, terminando o trajeto até o Pacífico pela estrada que faz parte de um dos eixos do IIRSA e que esta sendo pavimentada com recursos brasileiros.
Como foi muito bem apresentado pela organização peruana Servindi no capítulo sobre o Peru do anuário El Mundo Indígena 2008 publicado pelo Grupo Internacional de Trabalho sobre Assuntos Indígenas – IWGIA: o atual governo do Peru possui uma política clara de privilegiar e fortalecer o investimento privado sobre os recursos minerais, de gás e petróleo como principal estratégia de crescimento econômico do país.
Como grande parte destes recursos se encontram em territórios onde habitam os povos indígenas, o governo vem desenvolvendo uma política de desrespeito e debilitação dos direitos coletivos dos índios e da já frágil institucionalidade pública sobre os povos indígenas. Transformou as comunidades indígenas, o movimento indígena e organizações ambientalistas de apoio como obstáculos a modernização do país, criminalizando o protesto social e promovendo ampla campanha pública, jurídica e moral contra as organizações indígenas e de direitos humanos.
Várias medidas foram tomadas pelo governo peruano para desobstruir os investimentos brasileiros e estrangeiros no Peru. Em fevereiro de 2007 o Instituto Nacional de Desenvolvimento dos Povos Andino, Amazônico e Afroperuanos (INDEPA), um equivalente peruano da FUNAI do Brasil criado em 2005 pelo ex-presidente Toledo foi reduzido a uma Direção de Povos Originários dentro do Ministério da Mulher e Desenvolvimento Social (MNDES).
Após vários anos de luta do movimento indígena para a criação dessa instituição autônoma e com traços ministeriais, o governo de Alan Garcia logo no início do seu mandato o reduz em uma instância muito menor e mais fraca, medida que facilitaria a sua política de expropriação dos recursos naturais dos territórios indígenas e violações dos seus direitos adquiridos e reconhecidos, inclusive através de acordos internacionais.
Assim o governo do Peru cumpre a promessa de Alan Garcia feita durante o seminário de investimentos brasileiros no Peru, em maio deste ano, onde destacou que apoiará diretamente a solução de problemas e atuará para retirar os obstáculos que qualquer empresa tenha para investir no Peru, pois como disse: “Nunca falta alguém que queira demorar tudo e para isto está o presidente que deve ser ator fundamental da relação Brasil – Peru”.
Seriam os isolados da fronteira do Peru com o Brasil um desses vários obstáculos para os investimentos brasileiros no país?
A resposta parece ser sim, pois para facilitar o trabalho da Petrobras na Reserva Territorial Murunahua, criada para proteger os índios isolados, o governo peruano contratou antropólogos para refutar a existência desses isolados.
Ultimamente todas as pessoas do INDEPA que possuem posições moderadas ou a favor da proteção dos povos isolados do Peru foram demitidas da instituição após uma investigação do Ministério da Defesa. Fatos que demonstra o grande empenho do governo peruano para desimpedir os possíveis “entraves” aos investimentos no país. O próprio presidente Alan Garcia em uma entrevista ao principal jornal do país o El Comercio do dia 28 de outubro de 2007 declarou que os índios isolados não existem:
“… contra o petróleo criaram a figura do nativo selvagem ‘não conectado’, que quer dizer, desconhecido, mas presumível, pelos quais milhões de hectares não devem ser explorados e o petróleo peruano deve ficar debaixo da terra enquanto se paga no mundo US$ 90 dólares por cada barril”.
Essa situação de desrespeito aos direitos dos índios isolados no Peru, grande parte deles habitantes das florestas fronteiriças com o Brasil, tem provocado a morte desses povos. Tem provocado também uma migração desses povos para dentro do território brasileiro gerando conflitos com os povos contatados habitantes do lado de cá da fronteira. Essa grave situação atingiu a mídia mundial recentemente com a liberação das fotos desses povos feitas pela Coordenação Geral de Índios Isolados-FUNAI.
Dando prosseguimento a essa política o governo peruano cria um decreto legislativo que facilita a venda das terras indígenas na Amazônia e nos Andes peruanos.
Em contrapartida os indígenas declararam que suas terras não são mercadorias e sim elemento essencial para a sua sobrevivência e dos seus filhos e netos. E em agosto deste ano os indígenas representantes dos 65 povos habitantes da Amazônia peruana realizaram um protesto contra esses decretos legislativos.
Durante 20 dias mais de 5 mil índios liderados pela AIDESEP – Associación Interétnica de Desarrollo de la Selva Peruana a maior organização indígena amazônica do Peru, organizaram um dos maiores protestos indígenas que o país já viu. Para conseguirem chamar a atenção de um governo cego às demandas sociais, os indígenas tomaram hidrelétricas e as principais jazidas de gás do país ameaçando o fornecimento energético do Peru.
Protesto que atingiu momento de tensão extrema com cenas de um país em guerra civil nas regiões do protesto. Quase se transformou em um massacre por parte do exército peruano, que até treinou como faria para dar tiros nos índios. Mas que felizmente acabou com uma derrota histórica do governo de Alan Garcia, na sua violenta política neoliberal de exploração das terras indígenas, perpetuada pelo movimento indígena com a revogatória dos decretos por parte do Congresso Nacional.
Protestos indígenas contra uma política que procura facilitar o acesso do capital estrangeiro através de investimentos na exploração dos recursos dessas terras, vide principalmente através da exploração petroleira e de bicombustíveis, opção energética tão propagandeada pelo governo de Lula. Capital estrangeiro dos quais o Brasil é um dos principais fornecedores. Guerra que nem se mencionou na imprensa brasileira. Falha comum de um país imerso no seu gigantismo e com muitos problemas a tratar, tendo pouco espaço para saber o que está acontecendo nos distantes Andes peruanos, que cada vez mais graças aos reais brasileiros ficam menos distantes.
Poucos no Brasil se dão conta do que está acontecendo do lado de lá das nossas fronteiras e provocados por nós através da política brasileira de integração regional via financiamentos do BNDES, ações da Petrobras e outras grandes empreiteiras brasileiras.
E o Brasil com isso?
A conclusão que podemos chegar depois do exposto acima é que o Brasil está exportando destruição ambiental para um país onde as leis de proteção ambiental são mais fracas, onde não existe uma autoridade ambiental e indigenista autônoma e tampouco interesse do governo para fazer respeitar direitos dos povos que habitam essas áreas. Direito assegurados pela convenção 169 da OIT cujos ambos os países são signatários.
A Petrobras, empresa símbolo e ícone do orgulho nacional e principal financiadora da cultura e do cinema brasileiro está promovendo em outro país tudo aquilo que não lhe permitem fazer no seu próprio. Exploração e desrespeito ao direito dos povos indígenas isolados do Peru assim como fez na década de 80 junto aos índios isolados da Terra Indígena Vale do Javari onde sua atuação resultou em graves conflitos com os povos isolados da região.
A Eletrobrás seguindo o exemplo de sucesso da Petrobras segue pelo mesmo caminho encontrando no vizinho Peru todas as facilidades ambientais e políticas para produzir a energia de que tanto necessita o insaciável gigante sul americano para o seu crescimento.
Entraves para conseguir o licenciamento ambiental, brigas políticas e intervenções constantes do Ministério Público brasileiro tem cada vez mais dificultado a construção de grandes obras hidrelétricas no país. Dificuldades que não são as mesmas no Peru. País com uma política histórica excludente onde uma pequena elite do país define e se aproveita dos seus recursos naturais e cujo atual presidente é um dos seus principais representantes.
Surpreende que um governo que sempre se declarou preocupado com o social, como o governo do presidente Lula, não esteja pensando nas comunidades indígenas e ribeirinhas que habitam nessa região.
Os únicos temas da agenda de integração Brasil – Peru contempla somente investimento, energia, petróleo e infra-estrutura. Em nenhum momento os presidente do Brasil e Peru se preocupam em uma gestão integrada dos vários parques, reservas naturais e áreas indígenas da região fronteiriça entre os dois países que juntos totalizam um imenso bloco de 23.000 hectares de florestas contínuas.
Muito menos cogitam em pensar em uma integração das políticas públicas para a imensa população de indígenas, ribeirinhos, caboclos e outros povos tradicionais que habitam essa mesma região.
O que dizer então de uma política de proteção e garantia dos direitos da maior população e diversidade de povos isolados do mundo que habitam justamente essa região de fronteira?
Ambos os presidente declararam muitas obras, investimentos e afirmaram que contam com os empresários para levar a cidadania plena para cidadãos brasileiros e peruanos. Ambos os Estados esperam que os empresários façam aquilo que eles
enquanto governo deveriam fazer e não o fazem.
Nenhuma política de amenização do impacto dessa integração está sendo desenvolvida do lado do Brasil. Tampouco o governo brasileiro ou os brasileiros estão preocupados ou se sentindo culpados com o impacto ambiental, e desrespeito aos direitos indígenas e humanos que a política brasileira de integração regional, os financiamentos brasileiros e as ações de empresas estatais brasileiras estão provocado no nosso vizinho e hermano Peru.