O seminário Olhares Cruzados, ocorrido no Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), permitiu trocas de experiências e debates entre cineastas indígenas e pesquisadores das áreas de antropologia e audiovisual
Rafael Nakamura
Nos dias 17, 18 e 19 de outubro, a Boîte Rouge Vif (BRV),o Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA-USP) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) realizaram o seminário Olhares Cruzados: Brasil – Canadá no qual foram divulgados o processo de trabalho e os resultados de uma parceria de três anos entre essas organizações e cineastas Innu, do Canadá, e Guarani do Sul do Brasil.
As mesas, compostas por realizadores innu, guarani, kuikuro e kaiapó, intermediadas por pesquisadores e professores, foram alternadas com a exibição de filmes desses e de outros realizadores.
Na abertura do evento as três organizações parceiras se apresentaram. “Essa parceria entre LISA, BRV e CTI é extremamente importante para que a gente possa evidenciar a nossa produção audiovisual. O LISA tem 25 anos e vem realizando ao longo do tempo uma produção que nos dá a possibilidade de, através da imagem e do som, atravessar as várias áreas de pesquisa da antropologia”, comenta Sylvia Caiuby Novaes, do LISA-USP.
A BRV foi apresentada por Élisabeth Kaine que falou sobre o trabalho desenvolvido com os povos autóctones do Canadá desde 1987. A Boîte Rouge Vif é dirigida por um conselho de administração composto majoritariamente por membros indígenas e tem como objetivo promover a criação e a difusão da produção cultural indígena inovadora.
Sobre o trabalho do CTI, falou Maria Inês Ladeira. “Desde o início da nossa trajetória, em 1979, temos desenvolvido um trabalho voltado aos registros em imagens. Na última década temos feito algumas oficinas com os Guarani, ministradas nas próprias aldeias. A possibilidade dessa parceria com o LISA e a BRV veio enriquecer nossas reflexões a partir do pensamento indígena, de seus próprios conceitos e ideias sobre produção e veiculação de imagens”, diz.
Projeto Olhares Cruzados
Durante o projeto, dois cineastas Guarani, Ariel Ortega e Patricia Ferreira, visitaram as comunidades Innu no Canadá. “Visitamos as aldeias Innu e no começo fiquei pensando se eram realmente aldeias, voltei me perguntando se eles mantinham sua espiritualidade enquanto povo indígena. Mas depois de nos conhecermos e das conversas percebi que temos muitas semelhanças quando falamos do meio ambiente, de nossos territórios e o respeito com a natureza”, conta Patricia Ferreira, do Tekoa Ko’enju, no Rio Grande do Sul.
“O que mais me chocou no início era essa realidade muito diferente. A aldeia era diferente, o clima era diferente. O passado Innu também foi triste quando chegaram os colonizadores, uma história parecida com a dos Guarani que foram obrigados a viver em reduções”, comenta Ariel Ortega, também do Tekoa Ko’enju.
Posteriormente, os Innu também visitaram os Guarani no Brasil e puderam entender um pouco da dinâmica do povo que ocupa um território que transcende as fronteiras nacionais criadas após a colonização. Em uma das visitas, os Innu cruzaram a fronteira no Rio Grande do Sul e foram até aldeias na Argentina.
“Havia semelhanças muito belas entre os Innu e os Guarani. Visitamos a comunidade do Ariel e eu me senti como se estivesse em casa. Pudemos conversar sobre nossas comunidades, sobre os territórios e isso tudo foi muito agradável”, diz Waubnasse Bobiwash-Simon, da comunidade Innu de Pessamit, no Quebec.
As trocas entre os Innu e os Guarani, os estranhamentos e as experiências foram registrados pelas lentes dos cineastas indígenas dos dois povos. Posteriormente, a partir do mesmo material, os cineastas produziram filmes com seus diferentes olhares que foram apresentados ao público durante o encontro na última semana.