Durante três dias, lideranças discutiram a importância do movimento na atual conjuntura política brasileira e reiteraram que retrocessos não serão tolerados. Confira o balanço da mobilização
Cerca de mil indígenas desceram a Esplanada dos Ministérios em manifestação: “Demarcação já!” (Foto: Alan Azevedo/Greenpeace/MNI).
Brasília amanheceu pintada de urucum e jenipapo na manhã da última terça-feira (10), quando cerca de mil lideranças indígenas de todo o país montaram suas tendas ao redor do Memorial dos Povos Indígenas, dando início ao XII Acampamento Terra Livre (ATL). O evento faz parte da Mobilização Nacional Indígena e é organizado pela Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O mote do Acampamento esse ano foi: “Pelo direito de viver!”, que para Márcia Mura significa na prática o direito à terra: “Nós do povo Mura temos a mesma luta de todos os povos indígenas, que é a demarcação das terras indígenas. Especificamente na Amazônia nossa luta tem sido muito forte contra as políticas desenvolvimentistas que têm tirado a nossa possibilidade de viver dentro dos nossos espaços, com nossa cultura e como a gente sempre viveu, ligado à natureza, porque eles matam os rios. E matando o rio matam a nossa vida, porque está tudo interligado”, afirmou.
As atividades da mobilização tiveram início com uma coletiva de imprensa, em que representantes das organizações regionais e a coordenadora executiva da Apib Sônia Guajajara apresentaram as principais reivindicações dos povos ali presentes. Sônia demandou urgência na conclusão do processo demarcatório das 22 terras indígenas (TIs) sem impedimento que aguardam assinatura tanto no Ministério da Justiça quanto no gabinete da presidência. “A bandeira maior de luta dos povos indígenas é a garantia dos nossos territórios, e nos últimos anos essa garantia tem sido cada dia mais ameaçada. Nos últimos meses, a pauta sobre racismo e preconceito tem se acirrado mais sobre os povos indígenas”, completou ela. Já o cacique Darã, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), reforçou a necessidade de maior participação e envolvimento de cidadãos indígenas na política.
Além da demarcação territorial, a pauta do arquivamento das iniciativas anti-indígenas que tramitam no Congresso ganhou destaque nos três dias de acampamento especialmente depois da decisão do Senado, na quarta-feira (11), pelo afastamento da presidenta Dilma Rousseff do cargo por 180 dias. “O próprio programa de governo do PMDB traz uma série de anúncios de retrocessos. A PEC 215/2000 entra como pauta prioritária, o projeto que permite lei de mineração em terras indígenas está aí também na pauta de exploração. Todas as mais de 180 medidas [anti-indígenas] no Congresso hoje tramitando tendem a ser aprovadas com mais facilidade. Outro ponto que está avançando é a flexibilização do licenciamento ambiental”, explicou Sônia.
“Embora não tenha havido empenho suficiente por parte do governo Dilma para arquivar a PEC 215, havia manifestações públicas do Executivo contrárias a ela. Diferente do que pode vir, já que eles são claramente favoráveis”, completou a liderança do Maranhão. À tarde aconteceu a 1ª Plenária Geral para apresentação das delegações e falas de lideranças, seguida da Plenária “Voz das Mulheres”, com presença de mulheres indígenas em parceria com a ONU Mulheres.
Lideranças de diversas regiões do país falam em coletiva de imprensa realizada no primeiro dia de mobilização (Foto: Mídia Ninja).
O segundo dia de acampamento começou com a “Plenária Geral: Terra e Território Indígena”, em que líderes militantes como Aílton Krenak e o cacique Raoni Kayapó incentivaram os presentes a darem continuidade à luta de que foram precursores: “Terras indígenas são bens da União, enquanto for assim os políticos vão poder dá-las uns pros outros como se fosse um baralho para distribuírem entre eles. Está na hora das novas gerações pensarem. Vocês que estão na universidade – muitos de nossos jovens já são formados em direito – pensem bem como nós podemos brigar no Congresso para chegar a um termo em que eles não possam distribuir nossas terras assim”, reforçou Aílton.
Cerca de 40 lideranças regionais trouxeram reivindicações de providências específicas de cada povo no processo demarcatório de suas terras ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) João Pedro Gonçalves, presente na reunião. Ele afirmou que o prazo de cinco anos proposto pela Constituição para definir todas as TIs do Brasil se mostrou inviável,
reforçou a importância do órgão indigenista no processo demarcatório legítimo e completo do território tradicional dos povos, e prometeu a publicação de duas TIs do povo Guarani no Vale do Ribeira e uma no litoral do Paraná até o dia seguinte à reunião – promessa que foi cumprida. Ele informou também a publicação no Diário Oficial da União (DOU), naquele mesmo dia, da TI Mato Castelhano, do povo Kaingang, em município homônimo no Rio Grande do Sul.
Na parte da tarde, uma delegação de cerca de 30 indígenas se dirigiu ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde foram visitados gabinetes de ministros e entregues documentos que versavam sobre as violações aos direitos indígenas presentes na tese do “marco temporal”.
No último dia de Acampamento, foi realizada uma marcha que percorreu o Eixo Monumental desde o Memorial dos Povos Indígenas até o Palácio do Planalto, ocupando as seis faixas da via. Os manifestantes levaram faixas e puxaram grito de “Demarcação Já!”, reafirmando que suas demandas são anteriores a qualquer governo republicano e continuarão sendo reivindicadas até que sejam atendidas. “Vamos conversar com o novo governo na hora que ele entrar, não vamos deixar ele se acostumar sem ouvir a gente”, disse Aílton Krenak.
Lideranças de diversos povos do país reunidas no Acampamento Terra Livre (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil).
Balanço: conquistas
Na Plenária Geral de avaliação e encaminhamentos, realizada na tarde do dia 12, destacou-se a importância das conquistas obtidas: foram 5 portarias declaratórias – das TIs Taego Ãwa, do povo Avá-Canoeiro do Araguaia (TO), com 28.510 hectares; Bragança-Marituba, do povo Munduruku (PA), com 13.515 hectares; Munduruku-Taquara, do povo Munduruku (PA), com 25.323 hectares; Irapuá, do povo Guarani M’bya (RS), com 222 hectares; e Lago do Limão, do povo Mura (AM), com 8.210 hectares – e 5 relatórios de identificação e delimitação de TIs publicados, além de uma importante vitória contra o “marco temporal” no STF. Segundo a visão das lideranças, a pressão da delegação presente na tarde de quarta-feira (11) influenciou na revogação da TI Yvy Katu (Porto Lindo) do povo Guarani e Kaiowá, no município de Japorã, Mato Grosso do Sul, proposta por um fazendeiro sob preceitos jurídicos estipulados pelo marco temporal.
Ocupação Guarani e Kaiowá
Lideranças da Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul (Aty Guasu), ocuparam a sede da Funai, em Brasília, assim que chegaram na cidade na terça-feira (10). A principal reivindicação do grupo era a publicação do relatório de identificação e delimitação da TI Dourados- Amambai Peguá I, no MS, que possui 55 mil hectares e que, segundo os indígenas, já estaria pronto desde 2013. A demora na publicação estaria contribuindo na intensificação dos conflitos e violações de direitos sofridos por eles na região. Recebidos pelo presidente do órgão, os indígenas afirmaram que só sairiam do local com o relatório assinado em mãos.
Dois dias depois, o despacho para a publicação dos estudos foi assinado. Já as outras reivindicações, como a retomada dos processos de demarcação acordados no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), não foram atendidas.
Presidente da Funai, João Pedro Gonçalves, se reúne com comitiva Guarani e Kaiowá (Foto: Tatiane Klein/ISA/MNI).
Manifesto e nova mobilização
Ao final da mobilização foi divulgado o Manifesto do XII Acampamento Terra Livre, que reuniu os pontos de convergência das lideranças presentes durante os debates da semana de articulações, como o repúdio a ações racistas e discriminatórias.
A coordenação da Apib informou também que pretende promover uma nova grande mobilização, ainda sem data definida, nesse ano.