Diante da proposta da Secretaria Especial da Presidência da República em realizar no próximo dia 1º de agosto uma Oficina de Diálogo com a Sociedade Civil visando debater sobre os mecanismos de consulta prévia previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, vimos por meio dessa reiterar a posição do Centro de Trabalho Indigenista a respeito desse processo, visando esclarecê-la às organizações convidadas:
1) Em maio de 2012, quando o CTI recebeu um convite para discutir a Convenção 169, expressamos publicamente nossa discordância em relação à forma pela qual estava sendo proposta a sua regulamentação e nos afastamos da discussão, conforme se depreende do texto divulgado na época. A conjuntura política do Governo Federal, extremamente adversa aos direitos indígenas, nos levava a avaliar que essa proposta de regulamentação tinha como objetivo único atender aos interesses dos setores desenvolvimentistas do Governo e da bancada ruralista, ciosos em consolidar mecanismos que visassem dar ares de legitimidade ao atropelo dos direitos indígenas para a instalação forçada de obras de infraestrutura em suas terras, sem que tivessem o real direito de manifestar sua discordância com a política do Governo e com esse modelo perverso de desenvolvimento. Sua motivação única e exclusiva parecia ser o de dar resposta meramente formal às denúncias da qual o Brasil é alvo no âmbito da OIT. Desde então, a conjuntura política apenas se agravou, e não houve nenhum aceno concreto do Governo Federal no sentido de demostrar uma genuína abertura ao diálogo, de modo que não haveria motivos para que alterássemos nossa avaliação.
2) Expressamos aqui nossa concordância completa com o posicionamento público do movimento indígena, expressado e reiterado conjuntamente pela APIB e pela bancada indígena da Comissão Nacional de Política indigenista, em carta de reivindicações aqui anexada, de que a condição política mínima para iniciar uma discussão a respeito da regulamentação da Convenção 169 é a revogação imediata e definitiva por parte do Governo Federal da Portaria 303/AGU, que representa uma flagrante e inconstitucional afronta aos princípios que devem reger um processo de consulta. A insistência em postergar essa revogação, jogando a sua responsabilidade ao STF, demonstra uma clara disposição do Governo Federal em privilegiar interesses eleitorais, visando não se indispor com setores do agronegócio, em detrimento da defesa dos direitos indígenas e da Constituição Federal.
3) Expressamos também nossa discordância com a metodologia empregada pela Secretaria Especial da Presidência em ignorar o posicionamento público do movimento indígena em relação ao tema, chamando para essa Oficina organizações da sociedade civil. Essa postura apenas contribui para a desarticulação e enfraquecimento do movimento indígena, justamente em uma conjuntura tão delicada na qual é fundamental o fortalecimento das alianças com os demais setores da sociedade civil que ainda se esforçam na defesa dos direitos dos povos originários. Ciente desse posicionamento do CTI, a SEPR não nos convidou para essa nova tentativa de discussão, mas mesmo assim gostaríamos de nos posicionar publicamente alertando as organizações convidadas em relação a esse ponto extremamente crítico, e reiterar a necessidade de que estejamos juntos ao movimento indígena nesse posicionamento mais que justificado em condicionar o diálogo à revogação da portaria 303.
Por fim, cabe expressar nossa convicção de que em nada adiantaria um processo de regulamentação da Convenção 169, que se realizasse apenas no âmbito do executivo, uma vez que os dispositivos expressos no documento ratificado pelo Brasil estendem-se também a todos os demais poderes. Em nada adianta uma postura do Governo Federal em buscar dar transparência aos seus mecanismos de consulta, quando com a outra mão insiste em manter suas articulações no Congresso no sentido de permitir o ataque aos direitos indígenas, como ocorreu com a aprovação do regime de urgência do PLP 227. A Convenção 169 é autoaplicável e o respeito à consulta prévia depende apenas da vontade política em respeitar a legislação, uma vez que se trata de texto ratificado pelo Congresso Nacional, com força de lei, e não depende de qualquer regulamentação.